Mude o mundo

18/06/2007

Noites de Lobisomem - A origem




Esse texto na verdade, é a introdução do livro que estou escrevendo, um romance-fantástico que leva o mesmo nome do meu blogger, Noites de Lobisomem. espero que gostem!





"Inverno gaúcho. Provavelmente, julho ou agosto de mil oitocentos e trinta e oito. Fronteira com o Uruguai. Cruzava os campos do Arroio Grande uma patrulha Farroupilha. Liderando, Negro Assis, escravo liberto e grande conhecedor da região, encarregado por Bento Gonçalves da segurança de um importante caminho de suprimentos Farrapo, que ia de Sacramento no Uruguai até Pelotas. Dez homens, exaustos, em cavalos cansados, uma mula de suprimentos e três cachorros magros. Era noite muito clara de céu estrelado, mas num campo encharcado pela chuva forte que castigou a região nos três dias anteriores. De três em três dias, se não houvesse suprimentos a serem protegidos, Negro Assis e seus homens saiam pelos caminhos da região, arregimentando homens para a revolução e procurando sinais improváveis de movimento Caramuru ( Tropas do império, legalistas, Caramurus, como foram apelidados pelos Farroupilhas). A noite fria do pampa já ia alta :
-Xirú, acampamos aqui. Sentinela tua de começo !
Era a ordem que os cavaleiros mais desejavam naquela noite. O frio era intenso e uma repousada na beira do fogo com um trago para aquecer os ossos parecia o que de melhor podia acontecer a eles naqueles campos barrentos. Uma pequena fogueira foi acessa no topo de uma coxilha, num terreno mais seco e com boa visão de defesa. Assis sabia que era improvável qualquer hostilidade naquela região, mas guerra é guerra. Comeram um charque com pão em silêncio e se enrolaram nos palas e cobertores. Assis contemplava a lua cheia que clareava por demais a noite muito fria.
- Xirú, vê se não te emborracha e dorme, animal ! Me chama em três horas que eu tiro o resto da guarda.
-Pode deixar ! Vou me estaquear naquelas pedras e aproveitar para arrumar meus arreios.
Mais uma noite de guerra, numa vida muito dura que levavam os soldados naquela época. Mas parecia que ia ser mais uma noite calma. Terrível engano.
Xiru estava sentado a uns trinta metros do acampamento, numa pedra, à beira de sua própria fogueira, mexendo em seus arreios e conversando com os cachorros, que se protegiam do frio perto do fogo. Um ar mais frio de repente parece ter cruzado o campo e os três cães, quase que instantaneamente, se puderam em alerta, pescoços rijos e orelhas de radar, escutando a noite e farejando o ar. Xirú não ouvia nada, mas sentia algo estranho. Como todo bom índio, acreditava muito no que não via, mas no que podia sentir. Levantou, pôs a mão na velha pistola, outra na espada e foi dar uma olhada no que os soldados viriam a chamar hoje de “perímetro” . Os cachorros estavam cada vez mais nervosos. Não latiam. Pareciam não entender também. E isso na verdade era o que mais preocupava Xirú naquele momento. Eram cachorros valentes. Se fosse uma onça ou um cachorro do mato, já teriam localizado e atacado faz tempo. Mas estavam ali apenas sem entender. Com medo do silêncio. Como ele.
Correu até o acampamento :
-Assis, acorda homem. Tem algo estranho...
Negro Assis despertou do sono de vigília rapidamente :
-O que foi , índio ? Onde ?
-Não sei. Mas tem. Os cachorros estão estranhos.
Nesse momento, os cavalos também começam a mostrar uma inquietação. Todos acordam no acampamento e Assis dá ordem para que se armem. Os homens acordam assustados mas obedecem ao Negro. O acampamento fica em silêncio por minutos. Todos tentam escutar a noite. Nada. Normalmente Assis acharia que era besteira no Índio Xirú, já meio “tragueado”, mas ele próprio achava que algo estava errado. Alguma coisa acontecia ali. E os cavalos começavam a dar sinais de uma espécie de pânico.
-Alguém nos olha...
-Quem, onde, Assis ? Tu viu algo, tchê ?
-Não..Mas alguém nos olha. Montar! Vamos pôr os cavalos em movimento !!!
Assis sabia que os animais pressentiam coisas antes. Bastava montar e não indicar a direção. Ao comando de partir, os cavalos iriam para a direção oposta ao medo. Uma estratégia simples mas que parecia a mais recomendável no momento. Iniciaram uma macha tensa. Os cachorros permaneciam nervosos, circulando entre as patas dos cavalos, incertos como os cavalheiros, sobre quem os assustava.
Ao entrar num campo bem aberto, bem claro, sem o arvoredo e iluminados pela imensa lua, se sentiram mais tranquilos. Enxergavam longe e agora, seria mais difícil serem atacados à espreita...
-Meu Deus , Assis, mas o que é aquilo? Disse um alarmado soldado.
Todos se viraram na direção que o soldado apontava. Sobre algumas pedras , estava a origem do medo de todos.
-Impossível. Não existe um bicho desses por aqui!
Sobre a pedra sentado, algo que parecia ser um imenso lobo. Imóvel, tranquilo, observando a caravana passar.
-Mas esse bicho deve pesar uns cem quilos. Isso só existe lá pras bandas da Europa . O que faz no meio do pampa?
Mal acabou de falar e Assis escuta um estampido e o clarão da pistola. Um dos soldados atirava.
-Não ! Disse o negro surpreso.
Tarde demais. O animal antes tranquilo agora mostrava os dentes e ouriçava o pelo negro com detalhes dourados. Olhava fixo para a caravana. Assis sentiu o perigo na hora:
-Não se mexam. Guardem as pistolas. Controlem os cavalos!
O animal desceu da pedra e lentamente caminhando, sempre olhos fixos na patrulha, sumiu na distância da noite clara.
-Desçam dos cavalos. Vamos para o meio do campo. Vamos ser atacados!
-Atacados por quem, pelo lobo? Perguntou um dos soldados.
-É pelo lobo ou seja lá pelo que for aquilo!
-Como sabe, Assis? O bicho fugiu..E deve estar ferido!
-Não está ferido. Se mexeu normalmente. E o tiro foi de longe, não deve ter machucado.
-Nenhum animal atacaria dez homens montados, tchê ! Mesmo um bicho grande desses!
-Não sei. Mas vamos nos preparar. Tem algo errado.
A patrulha segue pela noite, tensa, sempre com a sensação de estar sendo observada.
“ Mas que diabos era aquilo ? Um lobo aqui ? Quem trouxe esse bicho de tão longe? E que tamanho era aquele?” Assis viajava com seus pensamentos...
A caravana segue nervosa em meio a uma neblina apavorante que se instalara no campo. Uma visibilidade de vinte metros talvez. Nada se vê. Apenas se escuta o pio das corujas, maestrinas dos outros sons noturnos..Grilos, sapos e outras criaturas.
O cavalo ponteiro pára. O peão esporeia. O animal não responde. A coruja, de repente, não pia mais. Um absurdo e fantasmagórico silencio toma conta da noite. Negro Assis então percebe mais que o medo presente: A própria noite está com medo.
Cortando a neblina, do meio do nada do nada, uma gigantesca sombra negra voa literalmente sobre os cavalos e atinge um dos soldados. Assis saca a arma e se vira em direção ao soldado e ao cavalo caído mas não vê nada. Ao chão, apenas o soldado nos momentos finais de vida, agonizando, com a garganta destruída. Os cavaleiros descem dos cavalos e alguns atiram a esmo :
-Poupem os tiros. O bicho se foi! disse com muita certeza Assis.
Ao chão, o soldado jazia já sem vida. Era o autor do disparo contra o animal, uma hora atrás. No seu rosto desfalecido, a expressão do horror daquela morte. Uma cena que impressionava a todos"

Essa história me foi contada faz pouco tempo pelo seu Orlando de Assis, tataraneto do Negro Assis, e pelo que sei, é a parte mais antiga da minha própria história, que começo a contar agora...

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