Mude o mundo

12/06/2007

O menino do pão


Sexta feira, dia primeiro de junho. Saí do trabalho , eram umas seis e tanto da tarde fui no super aqui pertinho de casa. Comprar pão e algumas bobagens para o final de semana. Na entrada do supermercado, ia passando do meu lado o que achei ser um menino de rua ou um menino bem pobre. Uma abrigo velho do exército imundo, uma bermuda apesar do frio e um tênis quase sem sola. Uns dezoito anos devia ter o guri. Me chamou atenção e vi que na mão carregava uma nota verde, deveria ser uma nota de um real. Quando passávamos pela entrada, o segurança parou o menino. Do meu lado. E disse :
-Véio, não..Volta!
O guri abriu a mão e mostrou o que era mesmo um real, amassado, e disse:
-Vou comprar pão!
Eu estava passando já quando ouvi a resposta :
-Vai na padaria então...
Bá!...confesso para vocês que meu sangue já ferveu em dois milésimos.. Ia deixar assim, não era comigo, mas caminhei três passos pensando: “ Nunca é comigo. Nunca é com a gente” Dei meia volta, parei do lado do segurança e disse:
-Ele tem dinheiro. Te mostrou . Porque eu entro e ele não ?
Todas as coisas estressantes da semana se acumulam naquele absurdo e eu já estava maluquinho para que o segurança se invocasse comigo. Mas como as pessoas tem a tendência natural de complicarem só com quem podem ( Por isso que a gente acaba só xingando e brigando quem gosta da gente, também) , o segurança se desarmou e me disse:
-Ele rouba aqui !
E eu, mais do que mal educado, porque realmente aquilo tinha me incomodado, respondi educadamente :
-Tô cagando, velho! Agora ele tem dinheiro como eu e vai comprar como eu.
Não restou alternativa. O menino entrou. Já todo humilhado. Já olhando para baixo. O segurança tinha acabado de lembrar que ele era um merda. Que a vida dele era uma bosta. E que ele só entrava nos lugares quando alguém deixava. Que a porra da Constituição não valia para ele.
Mas entrou. E eu também entrei, porque uso uma jaqueta Mormaii bem novinha.
Na fila do pão, chegamos mais ou menos juntos. Ele parou então, e me deixou entrar na frente dele. Tudo bem. Ele não cheirava bem. As pessoas na fila se afastaram um pouco. Também me deu vontade, mas depois daquele barraco na entrada, eu ia segurar. Fiquei ali, perto daquele menino fedorento.
Comprei meu pão e fiquei olhando uns bolos enquanto chegou a vez dele. Mostro para a moça da padaria o dinheiro e disse:
Quero isso de pão !
Sai pelo supermercado e fui comprar minhas coisas. Na minha cesta tinha sucos, frios, água mineral, sorvete e mais uma porcarias. Fui para a fila.
Na fila do lado o menino.
Me viu e baixou a cabeça. De vergonha.
Eu vi ele e baixei a cabeça também. E de vergonha também.
Enquanto as filas andavam, quase ao mesmo tempo, fiquei pensando como seria entrar em um lugar onde TODAS as pessoas tem uma casa, todos as trezentas pessoas que estão no lugar tem uma vida melhor que sua, e pior, todos ali te olham em algum momento, te julgam por cinco segundos e te esquecem:
“ Pivetinho, deve roubar no centro..”
“ Podia trabalhar com esse tamanho..”
“Como deixam entrar?”
Fiquei pensando nos governos. Nas autoridades. Nos responsáveis que não fazem nada para isso mudar. Filosofando na fila.
E sabe o que?
O responsável sou EU. É, eu! Se tem um governo ruim , eu me calei em algum momento. Se ele o menino foi jogado na rua aos quatro anos pela mãe, eu não ajudei de alguma forma para que isso não acontecesse. Que governo? E eu? Eu o que fiz?
A verdade é uma só. Individualmente, podemos ter sucesso como pessoas. A humanidade teve expoentes maravilhosos desde que algum macacão da cavernas se pôs em pé. Mas como espécie, a gente falhou. E o pior, pensem comigo: Da milhões de espécies que existem no planeta, somos a única que nunca conseguiu viver harmoniosamente com a Terra que nos abriga e com nossos semelhantes.
Ah, e o menino? Saiu do super na minha frente. Quatro moleques esperavam por ele. Vi que abriu o saco do pão e começou a distribuir.
E eu passei. Fui para casa. Com água nos olhos. Grande coisa.
Chorar é fácil. Fazer discurso é fácil. Fazer caridade também é bem fácil.
Difícil é ser o menino do pão.

Jacques, gelada Satolep, outono de 2007.

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