Mude o mundo

04/08/2009

Continuo carregando minha bola...

Praça central de Arroio Grande

Era uma tarde de sábado, frio de inverno, acordei ao meio dia, como sempre faço aos finais de semana. Olhei pela janela do apartamento, belo dia. Sol de inverno. Sem muitas tarefas pela tarde, sem jogo do colorado na tv.. Uma tarde preguiçosa parecia. Em cima da mesa do computador, um dos muitos livros espalhados pela casa : Histórias do Arroio Grande , minha terra natal, que peguei emprestado do meu pai que por sua vez pegou não sei de quem.Me dei conta que das três últimas vezes que estive lá foi para enterros. Nossa! Mas era verdade. A cidade da infância tinha ficado pra trás.Me lembrei que , na verdade, seriam cem quilômetros até lá. Muito perto. Pensei “ Tá aí, vamos sair da rotina”. Almocei, fiz o mate, e solito no más, me acomodei no Citroen e me pus a caminho .Estrada vazia, chimarrão e Fito Paez cantando no ipod, fui pensando nos lugares que iria chegando lá, já que nas últimas vezes só fui em velórios e cemitério. Bem rápido cheguei. Tomei a avenida principal, rumo a praça, coração de toda cidade do interior. E agora? O que fazer aqui? “Contemplação” pensei. Um pouco de contemplação. Me sentei num dos bancos da praça de frente para a prefeitura , me servi do mate e contemplei. Algumas pessoas passeando no sol, dois motoristas de taxi na esquina, o pipoqueiro..A vida passando lenta na cidadezinha, como era antes e espero que seja sempre. Notei que todos que passavam me olhavam com curiosidade, afinal quem era esse estranho sozinho na praça, com um carro de porto alegre e olhar perdido. Fui até os taxistas e perguntei onde poderia conseguir água quente para o mate e eles logo me providenciaram, no fogãozinho da casinha onde se abrigavam. Puxaram-se assuntos e logo a constatação: Um deles, conhecia meu pai, meus tios, lembrava do bar do meu avô, enfim. No interior a gente se torna alguém rapidamente. A árvore genealógica é de conhecimento público. Eu já não era mais estranho. Ouvi até uma história do meu avô, contada pelo taxista com quarenta anos de praça. Agradeci a água e resolvi dar uma volta pela cidade, rever coisas que me lembravam. Caminhando, fui lembrando das ruas e casas, e que em algum momento com certeza eu devia ter “corretiado” por ali. O primeiro lugar que fui foi o“Arroio”, onde no verão tomávamos banho e nos jogávamos do barranco. Depois fui caminhando até o “vinte” (Grupo escolar 20 de setembro) meu primeiro colégio! Passei na frente da casa de alguns amigos de infância,vi crianças e pessoas e fiquei pensando se alguns daqueles não seriam meus amigos crescidos. Por fim, parei na frente da minha ex casa. E do lado da casa de esquina dos meus avós.(Éramos vizinhos). Ali confesso que minha garganta secou um pouco. Fiquei olhando para a porta, esperando. Fiquei me esperando.E daqui a pouco me vi sair.Magrinho, franjinha na testa, lourinho. Apressado com uma bola na mão,descalço. Atrás de mim minha irmã (Milene), meio metro de pessoa e vestidinho xadrez. Pela janelinha da porta , apareceu minha mãe, ainda menina, recomendando alguma coisa que a gente nem ouviu. Fiquei olhando enquanto eu e minha irmã dobrávamos a esquina, correndo pelo passado. Pensei na caminhada até ali. No que separava aquele menino e aquele homem encostado no carro. De como a história da gente passa rápido. De como é breve o caminho.
O menino do Arroio Grande dobrou a esquina com a bola. Pensei em esperar ele voltar sujo e feliz pra casa. Mas não. Era melhor partir , já quase anoitecia.Quando eu dobrava a esquina, vi as crianças que sairam da minha ex casa, esperavam a minha passada para cruzar a rua. Parei o carro e fiz sinal para eles passarem. O menino pegou a menininha pela mão e eles apressadamente cruzaram a rua.
E eu apenas sorri. A vida se repetindo, porque ela se repete sempre. Acelerei e vi pelo retrovisor que eles me olhavam, talvez curiosos pelo estranho que lhes sorria. Acelerei e parti rumo a BR. Durante um breve momento fiquei pensando que devia ter conversado com as crianças. Contado a eles que , assim como eles, eu e minha irmã moramos ali e também saíamos juntos para jogar bola. Igualzinho. Que minha mãe se parecia com a mãe deles, jovem, cuidadosa.Mas não. Poderia até assustar as crianças, um maluco puxando assunto.
Quais seriam os nomes deles? Qual a história daquela família? Ainda tem uma figueira no pátio?
Pra que? Na verdade sei todas as respostas. Seja lá quais fossem os nomes, eles eram Jacques e Milene. Com certeza eram. A história da família com certeza em algum momento se encontraria com a minha. E a figueira com certeza estaria lá. As figueiras da infância da gente sempre estão lá.
Fiquei no caminho pensando, filosofando sozinho, e imaginando o que restava do menino magrinho e sua bola de couro em mim. Ih, deve ter mudado tudo desde aquela época. Sei lá que sonhos eu tinha aos 5 anos. O que eu achava o que era a vida.
Mas foi um belo sábado. De emoções inesperadas, como muitas das boas emoções da vida.À noite, olhando a lua cheia nascer do janelão do meu apartamento, olhei pro reflexo no vidro e vi o menino novamente ali.
Eu mesmo. Embaixo do braço direito, a bola velha de couro. No olhar e no sorriso, os sonhos. Outros sonhos, mas ainda sonhos.
E mesmo sem enxergar, ali no lado esquerdo, meu coração de menino.
Esse não mudou. Se eu posso escrever pra vocês e ainda me emocionar com isso, tenho certeza que ele bate ali, intacto, vadio e inconsequente, como nos tempos antigos do Arroio Grande.

Fito Paez, em toda sua perfeição: http://www.youtube.com/watch?v=RfYmajiaLws

Jacques Lobisomem, inverno glacial 09.

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