Mude o mundo

02/07/2009

Espiando pelas porteiras do mundo


Conheço cento e vintes poucas cidades no RS. Vinte capitais brasileiras. Muitas cidades do interior em Santa Catarina, São Paulo , Rio , etc. Barcelona, Roma,Veneza, e algumas outras da Europa. E Paris claro, que é pra onde sempre quero voltar. Viajar está no meu sangue. Meu trabalho também me dá essa opção e acho que é por isso que faço o que faço. Viajar é tão necessário na alma do ser humano quanto sorri
r ou refletir. O que é a vida senão uma longa viagem no tempo. Pois muitas das minhas histórias aprendi e vivenciei em minhas viagens. E as talvez as mais ricas e edificantes não tenha se passado nos Alpes Franceses ou na Toscana Italiana. Porque viajar é logo ali também.


Ia eu com minha camionetazinha Dakota ( que o céu a tenha, um caminhão montou em cima dela) de Porto para Santa Rosa, onde eu daria uma palestra na semana acadêmica da faculdade local. Lá pelo meio da viagem, não sei ao certo onde, acho que ficava entre a Cidadezinha do Nada e o Povoado do Lugar Nenhum, um brigadiano me parou no meio da BR . Abri a janela do carona, ele se aproximou. Meteu o cabeção suíno ( brincadeira gaúcha!) na janela. Acho que pensou em desistir quando me viu de terno e gravata. Mas já estava ali, então meio sem jeito, falou :
-Desculpa incomodar chefe, mas aquele senhor ali quer precisa de uma carona até a cooperativa , fica uns 30 km à frente. Mas se o senhor não puder dar, tudo bem.
Olhei para o velho agricultor atrás do brigadiano. E meio no automático respondi :
-Claro. Suba aí, meu senhor.
O velho senhor já ia se movendo para a caçamba. Achei muito engraçado a cena:
-Não, não, aqui na cabine comigo. Se o senhor for aí, a “Federal” me mete uma multa.
O senhor entro meio sem jeito, tirou o chapéu e agradeceu.
E iniciamos uma bela prosa durante aqueles trinta quilômetros. Quando parei pra ele saltar, me convidou :
-Se o senhor anda com tempo tome um café comigo ali na venda da cooperativa. Para agradecer a carona.
Eu ia recusar, mas como estava bem adiantado mesmo e ia chegar bem antes em Santa Rosa, aceite. E lá foi mais meia hora de papo.
Que assunto teria um bundinha engravatado de Porto Alegre e um humilde agricultor da Terra do Nada ? Se me perguntassem antes, diria que nada. Mas falamos de tudo desde o plantio tardio do milho por causa da chuva, do porco premiado do seu Firmino ( O nome do caroneiro ) e até da ida do filho mais velho dele pra estudar na capital.
-Bom, mas então tá seu Firmino. Vou puxar minha carreta senão a gurizada da faculdade não vai me ver falar mais tarde!
-Boa viagem, meu guri. E na volta passa ali em casa. Bate palma na porteira que a cachorrada late e a gente vem lá de dentro. Mas passa mesmo, vou lhe dar uma figada que a minha esposa faz que é louca de especial !
-Então tá, vou passar.Abraço!

Ia passar nada. Claro que não. Mas a gente diz que vai passar né? Pseudo-educação.

Voltando entao de Santa Rosa, dever cumprido no dia seguinte, no caminho me lembrei do seu Firmino. Era umas onze da manhã e pensei :” Taí , vou passar na casa do seu Firmino. Que mal tem filar um rango campeiro ?”
Bati a campainha de colônia (palmas) e logo a cachorrada veio se botando na portera. Em seguida aparaceu seu Firmino :
-Mas bá, que bom, o doutor resolveu parar então. Coisa boa! Chegue, chegue que os cusco não mordem. Pode se chegar.
Entrei e realmente eles não mordiam. Mas ser cheirado por dez cachorros juntos e ao mesmo tempo é uma das experiências mais bizarras que já passei, Mas enfim. Entrei

Dentro da casa, Dona Maria, esposa do seu Firmino, esperava em pé, na porta da sala, para cumprimentar o moço da gravata( Eu , no caso).
-Maria , o seu “Jaque” foi o moço da capital que me deu carona até a cooperativa lembra? Vai almoçar conosco. Manda chamar os guris ! Os guris eram filhos e filhas , que estavam na lida, imaginava eu.
Logo chegaram e eram cinco, de escadinha. O mais velho tinha 17, depois duas meninas de 16 e 14,
um guri de 12 e outra menininha temporã de 7. Família gradeeee!!!
Todos meio sem graça com o estranho, mas todos bem educados apertando a mão inclusive. Vi que as meninas ficaram com vergonha , acho que da roupa de trabalho e foram correndo pro quarto, para se trocar.
A casa era muito bonita, simples mas com cara de lar e extremanente limpa e bem cuidada. E os filhos, apesar do indisfarçavel sotaque campeiro, se puxavam para falar todos os esses do português.
O almoço foi um espetáculo. Galinha campeira e arroz com pêssego, uma salada verde completa e muito pão feito em casa. O vinho estava presente, mas não bebi, já que tinha cinco horas de estrada pela frente. Seu Firmino me pediu para falar da vida da capital, dar uns conselhos para o seu filho e dar algumas sugestões de onde morar por lá. Conversamos também sobre política, futebol e amenidades. Um belo almoço em família.
Na saída, depois de um belo café passado por Dona Maria, vieram os presentes. Para meu espanto, até um porquinho congelado ganhei ( pelo menos não estava vivo o bicho ). Goiabada, figada, uns araças faceiros e uns ovos da colônia bem vermelhos.
Parti.
Na viagem fui pensando no momento bacana que tinha vivido. Sentado a mesa com uma família estranha, resultado de uma simples gentileza minha. Que mundo diferente aquelas pessoas tinham do meu e nem por isso deixamos de rir e aproveitar o almoço juntos. E por fim, ficamos até amigos.
Me fez lembrar do “apartheid civilizatório” do mundo moderno, onde não cumprimentamos às vezes nem nossos vizinhos de porta. Que bom seria ter seu Firmino e família como vizinhos.

No ínicio do outro ano, hospedei o filho do seu Firmino por uma semana lá em casa. Tempo que ia demorar para o quarto de pensão onde ele ia morar desocupar, ali no centro. Levei o guri na Dublin, ali na Padre Chagas e o coitado passou a noite toda de boca aberta de “ tanto ver moça bonita” nas palavras do próprio. O guri hoje está no meu msn e sempre mando abraços para seu Firmino e família e os recebo também. Dia desses ainda, recebi um doce de figo que Dona Maria tinha preparado.

História simples essa minha. O final que escrevo agora não tem nenhuma mensagem ou rebuscamento. Mas que histórinha bonita né ? De gentilezas, de lembranças, de favores mútuos.A gente que vive na selva, corre sempre o risco de deixar passar as coisas simples do dia a dia. Mas gosto de saber que, no meio da loucura, ainda vive por lá aquela família. Plantando, colhendo, numa vida simples e feliz. Isso me encanta. A sofisticação do simples. Afinal, o mesmo pôr do sol que assisti da Torre Eiffel, está disponível em versão não menos encantadora ali na quarta colônia de Santa Rosa.

Vamos parar nas porteiras do mundo e olhar para dentro delas. Tem um monte de coisa para aprender por lá.

Pré-summer, já escaldante, 2006.

Um comentário:

Gisele Brum disse...

Adorei!História simples e linda,como o Seu Firmino e sua familía,pessoas do bem,de coração enorme...que vontade de conhecer o Seu Firmino.