Mude o mundo

21/05/2009

Três semanas na Cidade dos Carequinhas & sobre romances de verão


Uma e meia da madrugada de quatro de maio passado. Madrugada do meu aniversário. Meu pai estava sendo operado pela segunda vez em quarenta e oito horas. Da primeira cirurgia, restou um sangramento interno, e que descoberto tardiamente, fez com que ele fosse operado às pressas novamente. Eu estava sozinho no hospital, no quarto do meu pai. O resto da família tinha ido pra casa descansar. De nada adiantava estarem ali. No meio daquela madrugada longa, muitas coisas juntas criaram uma atmosfera perfeita para reflexão. A solidão no meu aniversário, o tempo passando pra mim, demonstrado não só pelo aniversário, mas também pela possibilidade de perder alguém. Até pra mim, que convivo muito bem com a solidão, velha amiga e parceira de caminhada, momento difícil. Normal se sentir fraco, mas hora de ser forte. De repente você se dá conta que é TUA a responsabilidade. O topo da cadeia de comando é teu. Os valores foram invertidos. Teus pais são frágeis agora. Não há pra quem recorrer.
Três e meia da manhã, uma enfermeira abre a porta do quarto e me diz :
-Olha , pediram pra ti subir no bloco cirúrgico agora...
Tudo passou pela minha cabeça.. E agora? E se for o pior? O que fazer? Como contar pra minha mãe? E meus sobrinhos ? Tudo passa pela cabeça da gente.
Mas subi e não me apavorei. Cheguei no tal Bloco e o enfermeiro me disse que meu pai tinha acordado agitado e estava muito nervoso. E embora não pudessem entrar parentes ali, eu devia entrar e acalmá-lo. Vi meu pai ali no pós operatório mais enfraquecido que nunca.. Chorando, assustado, como um bebê. Pedindo pra ir embora. Ali testei minhas fortalezas.. Me auto afirmei. Fiquei firme, não mostrei fraqueza. Disse pra ele se acalmar, que tudo tinha dado certo e que estava tudo bem. E amaldiçoei a enfermeira que foi me chamar. Podia ter me dito que era APENAS meu pai que queria falar comigo. Não precisava daquele baita susto. Se bem que no fim foi bom..aquela distância entre o quarto e a UTI foi percorrida também por muitos pensamentos e indagações. No outro dia, início da noite, meu pai voltou para o quarto na Cidade dos Carequinhas. Cidade dos Carequinhas é o Hospital Santa Rita, especializado em Câncer da Santa Casa de Porto Alegre. Ainda está no hospital, quase duas semanas depois, mas agora está praticamente bom e aguardando o médico dar alta apenas. Ufa.
Muitas lições me foram dadas nestas duas semanas. Sou daqueles que acredita que, mesmo de algo assim, coisas boas vão surgir. Eu ao menos, sempre acabo enxergando outras histórias dentro da principal. E quase sempre, são recheadas de aprendizado e exemplos. Como o menino de vinte e três anos, carequinha típico de quimio, que entrou no elevador comigo e acabou meio que meu amigo de corredor de hospital. E me confidenciou :
- As pessoas tem medo ou ficam estranhas pra falar comigo por causa da doença, então não converso muito por aqui...- pensei em como o ser humano é cruel sem perceber..
Ou na mãe que vi sendo consolada por duas médicas, dizendo não aguentar mais ver a filhinha sofrendo – Ali só suspirei e engasguei...
Enfim, coisas que se vê em um lugar onde todos estão sem querer estar. Mas na real o importante é passar por essas coisas da maneira mais leve possível. E leveza sempre é possível, as vezes em doses gigantescas , as vezes em homeopáticas.
Saí melhor do que entrei nisso.
Como diria Mano Brown, filósofo da rua, até no lixão nasce flor..

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Mas o que isso tem a ver com romance de verão ?
Coisa chavão é dizer que a gente conhece as pessoas na hora da dor. Da dificuldade. Escutamos isso toda hora por aí. Mas só vivenciando comprovamos essa teoria.
No início de dezembro conheci uma menina. Mulher na real. Mania minha de chamar de menina. Linda demais, formamos o típico casal “A princesa e o ogro” sabem? Moça bonita e cara feio. Mas desde o início, tratamos como um belo romance de verão. E foi. Passamos natal juntos, bebemos muita champanhe nos findis, curtimos Santa catarina juntos. Muito bom. Com prazo de validade. Mas nem por isso, menos honesto e bacana, Romance “fogueira-de-graveto” : Quente, vistoso e rápido. No final de fevereiro, cumprido seu papel, o romance se auto-extinguiu. Como deveria ser, sem traumas, sem choros. Tudo na boa.

Amigos.

Para minha surpresa, essa moça se interessou muito por mim e pela situação do meu pai, mesmo não tendo mais nenhum interesse romântico na história. Nenhum mesmo. ( a gente sabe quando as pessoas ficam na volta por outras razões, certo?) E isso de alguma maneira, pela forma como ela se interessou me comoveu muito.
Me marcou. Bom isso. Realmente é muito triste essa história de que “Se você não trepa mais comigo, não é importante pra mim!”
Enfim, um ser humano desinteressado. Não era minha parente, nem amigo próximo, nem fazia parte do meu círculo. Apenas alguém gentil e bacana, sem motivo algum pra ser. Raridade hoje em dia. Isso ainda foi mais notado porque lembrei de gente que talvez devesse estar do meu lado e não estava. Coisas da vida. Tristes, mas da vida.
Essa noite mudou algumas coisas pra mim. Amanheci liberto de muitas das minhas vergonhas, muitas sensações ruins sobre atitudes minhas ficaram pra trás. Pra quem eu devia, tudo foi pago naquela noite. A indiferença e o vazio dessas pessoas me absolveram. Amanheci melhor do que dormi. E acho que aprendi de vez por todas que ninguém é melhor que a gente. Tudo são circunstâncias. E infelizmente as pessoas, e ai me incluo nas minhas imperfeições, agem de acordo com o que lhes interessa. Simples e frio. Mas verdadeira constatação.

Escrevo então em homenagem ao estranho que me estende a mão. Ao moço que ajuda a senhora na rua. Ao motorista que nos dá a vez. Enfim, a gentileza que ainda reside nas pessoas e que nós precisamos exaltar porque é o que mantém a esperança de que um dia, todos nós, seremos melhores do que somos.

Aproveitem sua estada. É curta.

Jacques, outono, 09.

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Meu pai já saiu do hospital agora e está em casa, após quase vinte dias. Só pra constar e pra Flaviana, moça do romance de verão, saber.

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