Mude o mundo

05/05/2006

Meu amigo mais velho fez cem anos


A manchete do programa da TVE era “ Se Quintana fosse vivo, em 2006 completaria 100 anos”. Vivo. Engraçado. Desde que anunciaram a morte dele, em 1994, acho que minha ficha nunca caiu. Porque meus livros continuavam ali, eu continuava lendo e não mudou nada.
Certa vez eu caminhava no calçadão da Rua da Praia, acho que era 1992, e vi Quintana passando. Caminhando, devagar, como eu sempre tinha visto as imagens dele na televisão. Claro que minha vontade era tirar foto, apertar a mão, perguntar qualquer bobagem a ele. Mas lembrei que ele só gostava de ser abordado pelas crianças. E fiquei apenas observando de longe ele passar. Passou na minha frente com seu metro e sessenta e parecia um Hércules.
Com quinze anos li um poema dele e nunca mais parei de ler. Ele com certeza era bem maior que aquele corpo magro e cansado.
Naquele dia quando cheguei em casa, me emocionei de lembrar que tinha visto aquele homem que escrevia coisas só para mim. Que tantas vezes tinha me traduzido o mundo e que me inspirou definitivamente a escrever. Mas ele passou..Ele passarinho, na verdade...
Hoje me arrependo de não ter ido falar com ele. Tocar, olhar,..dizer a ele que eu escrevia por causa dele. Quando escuto a TV dizer que ele morreu, às vezes quase acredito nisso. Mas logo me dou conta que eles não sabem de nada. Como um cara que habita os sonhos, as emoções, as vidas de tantas e tantas pessoas, pode enfim simplesmente morrer? Acho que não.Como ele mesmo dizia ”Não morreu..Luarizou-se”
Mas fico feliz que comemorem o nascimento e não a tal morte. Acertaram. Quintana só nasceu. Gente como ele não é submetida a algumas agruras da vida, como a morte. Luarizou-se, foi isso.

Bom, um abraço nos cem anos do meu amigo mais velho. Você, que está me dando a honra de ler isso agora, talvez não conheça muito Quintana. Tudo bem. Mas um dia quem sabe você conheça, não é mesmo? Eu não conhecia. Até que um dia, adolescente, abri um livro por acaso, na página 62.
Parabéns para ele pelos cem anos. Parabéns para mim, que tive a sorte de ser seu contemporâneo.
Ah, o que estava escrito na página 62?

“Amar é mudar a alma de casa”

Pronto. Quintana e eu éramos apresentados. E eu tinha, enfim, numa frase, minha definição eterna de amor.

Fica na paz!

Jacques

Outono de 2006

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